miras m1ras miras m1ras miras

mil velocipedes na ladeira



chove torto sobre minha cama e o colchão chupa meu suor como uma banguela
as ruas mornas assoviam seus satelites e minha voz é uma locomotiva secreta que acorda caixas de supermercado pelo bairro
um ricochete suicida de paredes dentro dos corpos mais hereges
a onda é minha e é feita como se faz cafe na roça

a onda é minha beijando peixinhos dourados
a voz é minha fixando sem ponta no escuro uma singela commodites de mercado
uma cândida commodites de mercado rezando o jornal antes duma foda conformista

pra visitas inesperadas
espanto os que viram a carcaça com apenas uma objeção:
PELO RÚSTICO CONTRA O CITADINO



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concentrei-me no grande romance americano por muito tempo

então eu quero um volksbuch não quero um volkswagen
eu quero o grande romance filho da puta
escrito por um puto
um pulha
um palha
um pária


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uma onda q fosse tudo ao mesmo tempo placentaria
cosmica sexual mistica mundana
um painel de vida arrancada

como um charme pra inventar palavras
repetir ate formar um nome


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perfeitamente suspensos num planetário inclinado
palmos acima dos ossos que se misturam com os campos
entre o lixo das encruzilhadas e dos insucessos espaciais
luzes, animais e seres humanos
picos de hidrogênio em veias pneumáticas
a química das vulvas de carne e plástico
o vinho enchendo continentes
na canção do consumo

a voz do desejo
versão brasileira herbert.richards nessa fome cheia de dentes
pequena morte em poça d’água


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as vezes eles me dão um banho
me levam pruma sala com as perguntas cento e vinte três
respondo lá do alto e
vejo a cidade outra vez

gosto da rua como se ela fosse mãe
se deixassem escolher uma mulher eu a escolheria
gosto de andar descalço mas
atualmente ando com a Maria

tenho um saco roxo o que mais teria?

as pessoas são donas de coisas absurdas
a esmola que me dão é pra descontar no juízo final
eu peço nada porque
nada eh fundamental


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invejo os caras que não fazem nada
apenas fumam sentados nas calçadas
seus cigarros misteriosamente
adquiridos

quero crescer
como eles ir pra bem longe
ser mendigo e ser mendigo em paris
simples
assim como meu tio
que virou ancião

uma flor nasceu no pavimento
mas eu não quis

meu tio corre
maratonas na varanda
tipo os caras que não fazem nada
por pura indolência
eu quero ser mendigo e ser mendigo bem longe
fumar cigarros com gosto de negligência
bêbado
descuidado
buscar o que não serve no mundo
só serve em paris

ela me dava beijos e banheiras quentes
eu não quis

quero ser cem trilhões de células em paris


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anões debochados
indígenas imaginários e jangadas,
gags grávidas de esquinas
copos consoantes de festas
e sinistros sambistas
que parecem dormir
de nada valem aqui

lombradas lambretas na lembrança
olheiras e mantras estudantis
só significam
em paris


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vivendo meus dias
em termos de jacobinos e girondinos
o Lord meliante não passeia mais pelas bibliotecas
e às vezes parece mesmo difícil conter uma revolução francesa de merda
sua nobreza está em seus livros discos e filmes nas obras completas de Huxley
um segundo estado aristocrático bebendo Santa Felicidade
nada a ver com a nobreza palaciana ou provinciana
muito além das perucas estilo Luís XV
a nobreza oblíqua ao usar o controle remoto
a nobreza oblíqua numa fita vhs com o Clube dos Cinco dublado
dançando com os oitis no ‘pavimento encantado e inclinado’ dir-se-ia
um alfa-mais não fossem as sementes carburadas q explodiam e lhe queimavam as roupas

(não considerar as virtudes de quem se diz virtuoso - não caia oh querida Bastilha)


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a coisa mais triste do seculo é ser útil.


nos fundilhos ninguem quer ser padeiro detetive sapateiro. ninguem quer ter uma arma.
todo mundo quer ser bufão mecenas mancebo dandi bonvivant genio talentoverdadeiro.

ninguem quer ser normal todo mundo quer ser especial.

ninguem vende oito horas do dia na verdade todo mundo vive sob essa condição.
o pavor da barbarie o horror de perder a dignidade quando se descobre humano uma vez.

todo mundo quer manter a humanidade.
higiene papel asseptico pra se limpar sabonete pra não feder agua encanada.
ninguem quer comer comida podre.

todo mundo é vitima.

todo mundo encosta o ombro na roda, todo mundo aprende a dançar o can-can.

ninguem pode escolher e tá todo mundo puto com isso.
ninguem gosta mesmo quem não entende nada sente o gosto amargo na boca.

por minha vez já retorci de dor sem nenhuma doença aparente. ja chorei de desespero
já clamei aos cães de olhares vagos às arvores indiferentes ao clarão do ceu.

não adianta,
a coisa mais triste do seculo é ser útil.


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uma paz.

uma paz indizivel em mim.
quando a bronquite acordava cedo pra sentir o sol.
numero atomico leve. estendia a mão,
estendia minha mão para o sol
e me sentia leve e aquecido.

sinto-me em paz.
as crianças com mochilas passam e nunca percebem
como são jovens, e estas sombras, frias.
e este sol q aquece a alma
sons da manhã.

febril, sinto a paz.
leve alem das sombras das arvores centenarias,
longe das colinas q parecem elefantes;
esses grandes elefantes selvagens
tirando hem q era um elefante branco.

sombra fria em q vivo
hj me aqueci sob os primeiros raios.
sim, todas as gerações travam guerras,
massacres e mentiras. e gerações perdidas
são tomadas pela melancolia e logo
sob os primeiros dardos
o sol sempre acerta
e minha sombra, fria.

eu estendia as mãos para a bomba de hidrogenio.
meu numero atomico leve
q me leve
ao sol.

quando era criança e tomava sol na calçada de manhã
eu sempre quis ser chamado Helio
e não Hercules.

deuses solares gorilas orangotangos e babuinos
eu posso cumprir o destino porque
sempre quis ser chamado
Hélio.


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submerso no empuxo dos pronomes pessoais retos
continuo deitado na escuridão

meu cachorro de madrugada uiva para o bairro
às vezes eu balbucio algo

agora sei q estes são os piores dias da vida
e as noites que dormem no meio

don't try

de olhos fechados no escuro
eu espero

de olhos fechados
eu me espalho pelo quarto

eu espero


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Vamo ver onde isso vai parar
Quero dormir uma semana
E acordar

Vcs q façam de tudo nesses dias
Q fiquem com todo o dinheiro do mercado
Todos os furos das tevês, revistas e jornais
Curtam o instante maravilhoso como ninguém
Vivam o fim do mundo com todas as orgias morais
Fiquem com toda a bebida dos bares dessa semana e
Alegrem se com uma nova era nascendo dentro do seu bolso

No meu bolso
Vivam!
Enquanto eu durmo
Profundamente a depressão de todos os olhares compartilhados em silencio
O coma induzido q apague todos os momentos infelizes revisitados
E os sorrisos e gestos tatuados no peito

Porq esse amor eu conheço ele te prega esse tipo de peça
Como um impulso
Um pulo
Em direção a todos os momentos sagrados dos instantes infinitos
Que tanto sugaram as forças de dois pobres coitados
E lhes deixaram extasiados
Cansados
Cheirosos
Ofegantes

Sempre foi assim
Um pulo em direção ao nada
Infinito

Então

Se a gente simplesmente concordasse q o tempo não existe e estamos presos nesse instante
Todas as piadinhas internas e a aristocracia do controle remoto
Todos os momentos de êxtases compartilhados
Seriam simplesmente colocados numa caixa
E queimados na esquina

Se fosse possível minha mente parar de exibir esse espetáculo
Talvez o mundo me caia sob os pés
Outra vez


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negócios sujos
micro-organismos
iconografia ociosa no mundo real das pancadas
florestas de carbono pautado
panos, cacos de espelho, beijos na boca

expirar seu próprio tempo
inspirar
um


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prestidigitadores das idéias anteriormente adquiridas
desafiam o papel bebericando caipirinhas complexadas
amassando limão derramando açúcar enchendo cachaça

a memória porém é um copo sujo onde tudo e qualquer coisa
num só gole têm o mesmo gosto e o mesmo cheiro de barata
imagens monocromáticas sombras turvas lunetas astigmáticas

nervos expostos neurites e sinapses seqüeladas
como parentes distantes fazendas deslembradas

garoto com muita abstração e um naipe de lord
foragido da educação física só pra ver os shorts
e o quique
das meninas mais velhas jogando basquete
nos recreios nos jogos mirins de primavera
as pernas das meninas na final do handball

(e de repente os primeiros porres com bebidas doces
rocks cabulosos que cruzavam dias duravam noites)

certa vez ele esperou todos irem pro pátio
escondido abriu as mochilas das meninas
e cheirou os shortinhos suados nos regos
enfiou o nariz bem no meio das costuras

comeu as moléculas
o verdadeiro sabor
da caipirinha


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seja quando masturba uma alemã endoidecida até diabolus in musica
seja ele e holandez em noventa e seis com fogo saindo da cerveja
ou mesmo um piadista behaviorista um franciscano amigo dos insetos
as vezes ele não anda com hippie jonnie as vezes
fuma com gente que vive encolhida no fundo da cabeça
do daniel

filin, a grecia antiga foi inventada
quarto de século passado


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kuala lumpur terremoto na malásia

últimas notícias
doze internos fugiram
oito nove dez pessoas morreram
a china precisa de minério

indio com arma de fogo
seis virgula cinco bilhões de metais
escorrem pelo trilho
a china precisa de minério

as sondas em marte
o bloco antiestadunidense
kuala lumpur abre em baixa
a china precisa de minerio

arrastão em prédios
cotação de divisas no mercado
diocese goleiros católicos cubanos
foda a china quer minério

malaios budistas
a china precisa de minério
prepara mudança cambial e pode flexibilizar o yuan
eu tô fudido a china quer minério


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dia útil
a cidade traféga em filas
rostos subliminares nos pontos de ónibus
estou com sono
e com sede
no escritório

tenho uma arma na gaveta
espero matar meus agiotas

meus agiotas andam de bermuda chegam de chinelas
morenas acompanham sempre
mafiosos também

meus agiotas
ainda quebro um

no mais
destruo calculadoras de fita rasgo cupons fiscais
chuto contadores como macaquinhos...

meu dia é assim
incendeio cobradores
ameaço gerentes de banco
(esses shitfuckers acham q são
deus
devolvendo cheques por diversão)
mijo nos impostos da união
cago nos representantes comerciais

no mais,
porcentos e tempestades mentais

às vezes me escondo no banheiro do terceiro andar
as pessoas me chamam lá de baixo
e o telefone toca
no escritório


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(sei que parece as coisas que as pessoas falam pras crianças mas
tudo que você faz volta pra você)

quando eu era pequeno decapitei três codornas da minha vó
hoje o forró é para todos
só não é pra mim

(sei que parece um provérbio chinês mas
crise significa também oportunidade)

gene kelly fez o tipo atlético
fred astaire, o tipo clássico
eu sou tipo sem linguagem
às vezes eu danço flashbacks
só no quarto ou nos melhores bares
quando amanhece e estamos loucos

(sei que parece passagem da bíblia mas
não entendo las parábolas)

aprendi o bebop quando li on the road
digito meus dedos dançam no teclado


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Sir
isaac newton disse que
todas as cores existem na luz branca do raio de sol e
tornam-se visíveis quando ele se decompõe no espectro

goethe costeletas

classudo tambolirando sobre escrivaninhas
falava sobre oposição entre luz e sombra
cores físicas químicas fisicoquímicas
e fisiológicas

da vinci
e mais uma moçada
discorreram sobre o assunto

todo mundo tem algo a dizer sobre as cores
eu também

na verdade não me interesso pelas cores
simplesmente
eumastigoelas


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se eu pudesse escolher uma moça pra mim na minha biblioteca escolheria rebeca de cem anos de solidão

o céu é a paisagem mais linda que eu conheço quando me deito nessa janela que é o mundo. vermes dentro de mim como se fossem o objeto indireto de uma sintaxe incompreensível, vermes dentro de mim nos intestinos e nas tripas do meu cérebro. unha vermelha quando eu cavuco o tijolo, unhas pretas quando eu cavuco o cimento, unhas coloridas quando eu cavo terra colorida, quando eu como terra cimento tijolo ardósia, quando eu mastigo meus vermes eu como terra. eu mastigo areia porque amo o chão, e eu como o chão também. o céu é a paisagem mais linda que eu conheço quando estou no chão. eu beijo o chão na boca. sinto o meu corpo contra o chão a dez metros por segundo (na verdade é nove ponto alguma coisa). eu durmo com o chão por que eu gosto dele, abraço ele com toda força e esfrego até gozar. eu como terra e meus vermes agradecem. sabor mineral.


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